XVIII Maratona Internacional de São Paulo - O DIA DA GUERRA

Dezessete de junho de dois mil e doze.
Esta é a mensagem que espalhei no orkut e facebook na época: 

Um dia, em 2006, indeciso na vida, e com um suposto caminho em minha frente - o atletismo - fiz uma oração, para saber se eu devia seguir ou não, tendo em vista que vim de anos e anos de uma luta desesperada contra o racismo e intolerância da qual sofri muito e não ganhei nada, apenas tive muitas perdas e não haviam pessoas ligando para isso. A única coisa que ouvi, do céu foi: "Meu filho, só vou manter seu coração batendo".



As razões por eu fazer certas corridas (a de hoje por exemplo) são particulares, e se quiser saber é melhor que me pergunte pessoalmente; a menos que você seja mais uma dessas pessoas preconceituosas que julgam sem saber das coisas direito; se for, entre na fila.
Há uma outra razão que desejo publicar: na tentativa de escrever meu nome no Livro dos Recordes (Guinness Book), precisei de testemunhas e de do mero comprovante de conclusão da prova. Descubro, por meio do Guinnes, que outro cidadão britânico (derrotado recentemente por um irlandês) já fez algo parecido e o mesmo detém o recorde [http://www.guinnessworldrecords.com/records-7000/fastest-marathon-carrying-20-lb-pack/] . Como não conheço ninguém que fale inglês fluente, deixei o projeto arquivado; futuramente quem sabe eu o retome. E o recorde? Provavelmente, 100% de chances; eu o arrancarei dele!


Por fim, Obrigado as poucas pessoas que acreditaram em minha capacidade um dia na vida pelo menos...Só mais uma coisa: esse ferro deve pesar entre 8 e 10kg.
Não é nada leve.
Espero que desta vez eu seja tratado com respeito, como um maratonista que correu 42km com isso nas mãos, oficialmente.
NOTA - mais um link para pesquisas: [Sam Payne - http://www.thenational.ae/news/uae-news/health/marathon-mans-bid-to-break-world-record]


Não contei a ninguém que faria isso. Senão eu seria escorraçado aonde quer que fosse. O mundo que eu vivia não estava preparado para ver algumas coisas.  Mas aceitam outros absurdos.



Não pegarei as anotações particulares dos treinos para escrever tudo aqui mas Devo ter feito mais de 30 treinos com esta barra e também com dois pesos alternativos só de domingo, subindo Joaquim Egídio nas estradas que achei conveniente correr. Fiz um treino com 2 quilos a mais, passando de 40 quilômetros dando 4h28m56s de trajeto. 10h de início. Até ter a certeza de que eu faria a maratona de São Paulo desse jeito e escrever meu nome naquele livro.

Não saberei de có quantas vezes tive hipoglicemia, nem quantas vezes caí, tive fome, as vezes que não pude beber água pois ora me esqueci do lugar ora não tinha gente perto pra pedir um copo. Cachorros soltos, cobras, vespeiro.... o pior de todos eram motoristas bêbados e ignorantes. As motos que passam por lá no "cross" deles de longe trazem riscos.


Mas já estava na hora. O foco era enorme. Como um guerreiro num filme medieval, Estava afiado, muito afiado. Era um golpe só e eliminar o inimigo. Tradução: era ir lá, correr e acabar! 

Até o dia da semana na maratona tive problemas, mas eliminei. Já não estava na faculdade, eliminei todas as provas. As férias foram garantidas. Pensando eu que não teria problemas NO DIA DA CORRIDA.... me enganei. 


Um idiota bêbado de balada invadiu se não me engano a linha do metrô na estação entre Tucuruvi e Tietê; E ATRASOU uma seqüência inteira de transporte. Acho que em meia hora mais ou menos. Daí o que acontece? Domingo de manhã? Quem vai resolver? Sei lá. Só sei que o trem chegou, peguei e desci andando até a Assembléia legislativa. Não havia ninguém.

Fui possuído pelo medo. Os ônibus gratuitos e o povo que os usa para ir a maratona na ponte Estaiada não estavam lá. E eu correndo desesperado com minha mochila e o ferro na mão.

Por sorte o último ônibus quase saindo e virando a esquina, corro mais um instante, desesperado fazendo escândalo para ele não sair sem mim. O plano B era pegar um táxi. E quanto tinha no cartão? Não lembrava.

Cheguei, entrei e tentei ficar calmo. Arrumei o restante das coisas ali mesmo. Número, chip, estojos com doces e gel....tudo certo. 

Saio do ônibus, e o que acontece? TOCA A MERDA DA BUZINA!




DESESPERADO procuro meu ônibus correspondente ao do meu número, entrego rapidamente minha mochila e saio. Entro na multidão e sigo na corrida surdo. O plano era esse. Pra não sei incomodado por ninguém corri mais da metade da corrida surdo; passando pelos 25km, na placa 27 tirei os protetores. 



Simplesmente foquei no meu caminho e pronto! E tinha gente pior que eu. Vi uma pessoa tendo infarto num local bem antes de entrar na USP, após ter passado o rio Pinheiros (isso inspirou a pesquisa só agora feita recentemente, clique aqui). Chamei por Deus por ele, pois ver aquele homem tendo ataque cardíaco, a feição dele..... pelamordedeus! 


Tentei ouvir música gospel pra ver se o ritmo cardíaco melhorava e poderia cansar menos. Não resolveu. 

Todos os testes de treinamento quase não deram certo porque a ansiedade e o nervosismo atacaram não sei porquê. O jeito, naquela hora em que o sol começava a ficar forte (porque São Paulo só é quente pelo excesso de poluição, por isso estranho as temperaturas) era reagir.

Como reagir? Ouvindo rock e ficando furioso de vez! 

Se eu perdesse o controle eu sairia correndo que nem louco mas logo perderia as forças. Aprendi a ter esse autocontrole e só usar a música para ter raiva e suportar temperatura e peso do ferro. Pronto. Resolvido!

A música que ouvi contantemente era Linkin Park & Jay-Z - Points Of Authority/99 Problems/One Step Closer. Outras músicas (exemplo Ozzy Osbourne - Iron Man ao vivo RJ) entraram mas ouvi mais esta. Ou era isso ou era desistir da corrida. E desistir era uma palavra que toda hora que passava na cabeça me dava muuuuuuuuuuuuita raiva! 


Aí, o jeito era fazer todas as "mãnhas" que aprendi nos treinamentos e manter o controle. Parava um pouco só pra comer o que tinha nos estojos. Levei doce, amendoins e alguns gels. O que eu sei é que se eu levasse só coisas doces o estômago se "fecharia" de uma vez e ia me dar problemas que nem das outras vezes. Em 4 delas o Samu veio me resgatar. Minha mãe não sabe disso; nem preciso contar. Pra quê?

Não ouvi a galera falando comigo, nem sei o que pensavam, não sabia de nada. O negócio era acabar a corrida.


Estava lutando pela minha vida. Pela minha liberdade mental de todos os problemas, tabus, paradigmas plantados esses anos todos e que não aprendi a lidar com isso. Nem na escola nem na igreja nem em casa nem em lugar nenhum. A constituição, os 10 mandamentos e o bom senso dos mais velhos NÃO ME PROTEGERAM do descaso, do racismo, do cinismo e do mau caratismo das pessoas com quem vivi e 90% delas sabiam que estavam erradas e continuavam no erro!

Minha revolta era muito grande. Direcionei para a corrida apenas. E era só manter o controle. 


Estava mostrando que um atleta interessado em mudar sua situação estava disposto a pagar o preço que fosse. Mostrando que fiz deste ferro um empecilho proposital e sem ele me torno outra coisa. Mostrando que posso ter argumentos todas vez que disserem que uma distância pra correr é difícil, em que a pessoa tem força o suficiente pra fazer isso e algo mais e NÃO FAZ!

Mostrando que o sistema ou o jeito de lidar com atletas estava errado e eu estava cansado de falsas promessas e de ser tratado como "cachorro" ao longo dos anos.

Mostrando que se eu tenho coragem pra fazer isso, não tenho nenhum empecilho. Eu não. Quem tem é os outros; quem arruma são os outros, o inferno são os outros, como diz os Titãs. Eu nunca vi tanta desculpinha lazarenta pra não fazer um só projeto ou uma coisinha de nada em prol dos atletas!


Eu tinha que fazer alguma coisa. Mostrar serviço.
Mas ainda que eu tivesse o que tanto desejasse, e se eu ficasse inseguro ou com medo de alguma coisa? Por isso corri com o ferro pra aproveitar e tirar essa dúvida de vez. Se eu fiz isso faço qualquer coisa!

Eu não estava errado em minha decisão.




É como nesses filmes de guerra antigos ou medievais: o guerreiro tem que matar seu inimigo pra não ser morto, sua esposa não seja abusada e feita escrava, os filhos mortos, a casa incendiada , seu tesouro roubado, sua terra tomada à força e sua história ou esquecida ou deturpada como mais um derrotado que nasceu só pra cair no fio da espada de um "escolhido". 

Imagine com o quê eu estava lidando? O jeito como enxergo as coisas não entendo como fiquei assim, mas também não aceito que as pessoas não entendam pelo menos a minha postura ainda que supostamente entendam minha lógica além da história! 


É o papo desgraçado de que "tem que se engolir muito sapo"; "é assim mesmo"; "a vida não é como a gente quer".... DESCULPE. MINHA BARRIGA NÃO É BREJO, não é assim mesmo coisa nenhuma e não aceito essa vida desse jeito não! 

Se outros conseguiram eu também consigo.


Era esse o objetivo de correr com esse ferro. Colocar abaixo todos os problemas de uma vez! Externo e interno. 

Nem todos entendem meu ponto de vista; por isso escrevo. Se nenhum de meus dizeres servir pra alguém, pelo menos terão que reconhecer que não é qualquer um que corre uma maratona; e também não é qualquer um que escolhe fazê-la com um peso extra! Inimigos e críticos de plantão eram meu alvo. O principal deles era eu mesmo. 


Ao final, cansado sim, furioso mais ainda! Perceba que tem um homem ao lado do participante amarelo, e no vídeo tentou chamar atenção porque me viu com o ferro e não acreditou. Problema dele. Eu estava quase pra completar meu trajeto. A música do Linkin Park ainda estava rolando. Estava furioso, bravo. Não sei dizer se perdi o controle ou se o mantive. Mas fazer perguntas idiotas numa hora dessas não era inteligente. 






Não poderão falar - aqueles que adoram inventar - que não fiz uma coisa dessas.



Aqui é uma nota de pesar quanto a "perseguição" que me ocorrera na época, piorou quase às vésperas da maratona. Clique na foto e leia melhor.



Escrevi nas redes também:

Inúmeros tabus foram quebrados depois desse ato.
Ninguém faz idéia ... a menor idéia... do que está rolando.

Tâmo aê na luta...

O vídeo da chegada.


Depois que a maratona terminou, não ouvi mais nenhum comentário negativo, ou parecido. Era como seu eu tivesse voado muito alto. Não posso mais ser atingido. O que falassem dali pra frente eu daria as costas rindo alto. Matei o que estava me matando. Quebrei a algema que me prendia. Vomitei o que me fazia passar mal. Fui odiado por meses por pouca gente que soube que fiz isso; mas esses me respeitam! Simplesmente fiz o que ninguém no Brasil fez e por causa disso tais pessoas não tem moral pra falar de mim. Blindei bonito minha mente. Já era o julgamento, o preconceito, já era. Não serei mais atingido.

Era esse o objetivo principal: fazer o que ninguém fez, e ter uma coisa por direito comum que parece que não tive antes: RESPEITO!

A condição que Deus me deu para fazer este desafio foi enorme. Meses e meses de cálculos e treinos. Ninguém sabia dessa façanha. Alimentei por meses a mesma coisa. Sonhava com isso, O coração batia como louco só de lembrar por um pouco disso. Escondi da minha própria casa o desejo. Não acreditariam se eu contasse. 

E com certeza o público olhou em volta e pra mim. Não sei a reação. Mas com certeza, na capital, fiquei na cabeça de muita gente.

Agora o sonho está feito e já não existe o impossível pra mim.

Infelizmente as coisas não mudaram como eu queria que fossem, portanto o jeito era cuidar dos inchaços e seguir com meu treinamento, faculdade e tudo mais.





A resistência continuaria.

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